O empoderamento da criança gorda em Little Miss Sunshine
Dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris (ambos iniciantes na época) e lançado em 2006, Pequena Miss Sunshine é um filme norte-americano que apresenta a história da menina Olive (Abigail Breslin). Ela foi classificada no concurso "A Pequena Miss Sunshine", que aconteceria na Califórnia, e, a partir dessa notícia, sua família decide levá-la ao evento. O mais interessante no filme é como cada parente de Olive contribui, positiva ou negativamente, para o seu empoderamento. Vamos entender os porquês.
Richard (Greg Kinnear), pai da menina, trabalha com vendas de um programa de autoajuda para quem quer ser um vencedor. Apesar de ter todas as ideias prontas para ajudar qualquer pessoa que esteja passando por uma situação ruim, Richard não sabe lidar com os anseios da própria filha. Seu modo de ajudar Olive, na maior parte do filme, é de forma bastante preconceituosa. A cena do café mostra exatamente isso: Olive decide tomar um sorvete, mas seu pai diz que ela vai ficar gorda. Todos que estão à mesa opõem-se à atitude de Richard e, enquanto a mãe de Olive diz: “Tudo bem ser magra, e tudo bem ser gorda, se isso é o que você quer ser. Tanto faz o que você quer, está tudo bem.”, Richard rebate: “Ok, mas, Olive, deixe-me fazer uma pergunta disso. Aquelas mulheres no Miss America, elas são magras ou elas são gordas?”
A menina, ao pensar no seu corpo, deixa de tomar o sorvete e, para que ela não se sinta triste, seus familiares (menos o seu pai) resolvem tomar o sorvete dela, incentivando-a a não deixar de comer o que quer apenas pela estética.
Outro ponto bastante importante a ser mencionado é que as afirmações do pai de Olive sobre o corpo dela acompanham-na durante todos os momentos do filme, fazendo com que a menina se questione várias vezes sobre sua beleza, participação no concurso e se vai ser ou não uma perdedora. Por causa das coisas que seu pai sempre repetia, para Olive perder no concurso não era apenas isso: era perder na vida.
Em uma conversa com o seu avó, um dia antes do evento, percebemos que Olive cogita a possibilidade de não conseguir se dar bem. Isso pode ser inferido porque, em uma conversa com o seu avô, Olive chora muito e diz: “Eu não quero ser uma perdedora.”. Ao dizer isso, sabemos que ela rememora a ideia que seu pai repete freneticamente na primeira oportunidade.
Às vezes pensamos que as crianças não absorvem as coisas que dizemos, mas esse filme nos mostra que devemos ter bastante cuidado com o que é falado para elas, pois isso pode vir a causar traumas que perduram na fase adulta. Além disso, ao propagar um discurso que não respeita as diversidades, estamos contribuindo para que essa criança, quando adulta, também repita com outrem o mesmo processo que cometemos.
O avô paterno (Alan Arkin) de Olive é o oposto de seu filho, já que é o principal incentivador e apoiador da ideia da garota, criando uma coreografia que é ensaiada por ela todos os dias. A coreografia final é embalada por “Super Freak”
e o que era pra ser interpretado pelos cinéfilos como sensual demais para uma menina, na verdade acaba sendo uma transgressão, pois Olive não se enquadra no padrão estético das participantes do concurso. A transgressão só ocorre porque temos dois opostos: o avô, já no final da vida e Olive, iniciando sua trajetória. É exatamente por estarem nessas condições que criança e idoso estão livres dos preconceitos que rodeiam o mundo dos adultos. Um exemplo disso é que o avô de Olive foi expulso de uma casa de repouso pelo uso de drogas. (Para entender mais essa relação entre crianças e velhos, bem como o lugar/representação dos idosos nas mais diversas sociedades ao longo dos séculos, leiam “A velhice”, da nossa amada Simone de Beauvoir.)
Já o irmão mais velho de Olive, Dwayne (Paul Dano), é um menino roqueiro, filosófico e revoltado que, obcecado em ser piloto da Força Aérea, faz um voto de silêncio até conseguir o seu objetivo. Na metade do filme, ao descobrir que é daltônico e que, por isso, não poderá ingressar na companhia, Dwayne sai do carro correndo e gritando. Todos os seus familiares ficam observando o garoto sem saber o que fazer e Olive, mais uma vez, é a única que tem ousadia para fazer algo. Ela vai até o irmão e, sem falar nada, encosta a cabeça no ombro dele. Olive, mesmo tendo todas as características rejeitadas pela sociedade, representa nessa cena a autoconfiança e a coragem, pois consegue se aproximar do irmão e trazê-lo de volta à viagem.
A mãe de Olive (que nem tem nome) representa o estereótipo materno, pois acredita na filha mesmo quando todos, inclusive seu marido, não o fazem. Ao chegar ao local do evento, a mãe de Olive percebe que sua filha é muito diferente dos padrões que as participantes têm e, mesmo assim, ela continua apoiando sua filha com palavras e auxiliando na produção para que tudo ocorra bem.
O tio Frank (Steve Carell), o maior especialista em Proust nos Estados Unidos, que perde seu namorado para outro especialista em Proust, tenta se suicidar. Após um tempo em uma clínica, ele vai para a casa da irmã, mãe de Olive, pois não pode mais viver sozinho. Ele é fundamental para que Olive se reafirme enquanto sujeito durante o evento, pois é ele quem começa a dançar na plateia no momento em que os organizadores decidem interromper a apresentação da menina.
Pequena Miss Sunshine é um filme para todas as idades e que deve, sem sombra de dúvidas, ser propagado.