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Cartas à Purezinha, do seu Juca.



Todos sabem que Monteiro Lobato revolucionou a Literatura Infantil através das histórias que compuseram o Sítio do Picapau Amarelo. O que poucos sabem é que ele revolucionou também todos os clichês, as declarações de amor e a devoção por sua futura mulher. Vivendo em uma época em que as maiores correspondências entre namorados que moravam distantes eram através de cartas, Lobato e Purezinha, como gostava de chamar a então noiva, não eram diferentes. Corresponderam-se durante todo o seu noivado com inúmeras cartas de ambas as partes, já que moravam a quilômetros de distância e, por causa disso, demoravam a se ver.


Dona Purezinha guardou a maioria dessas cartas – se não todas – e só em 1969 elas foram expostas e entregues a Cordélia Fontainha, correspondente de Monteiro Lobato desde o ginásio na capital mineira de Belo Horizonte, surgindo então o livro “Cartas de Amor”.


A organizadora do livro falando sobre o fato: “No princípio prevaleceu a paixão da moça disposta a guardar recordações do namorado distante. Depois de casada, foi tomando consciência da própria responsabilidade, no sentido de preservar os documentos pessoais que, no futuro, poderiam revelar facetas desconhecidas de um autor consagrado.”


Com uma linguagem leve e espontânea, própria de quem se sente à vontade com outra pessoa, o livro enumera declarações de amor incansáveis, além de informações dos lugares onde Lobato morou algum tempo e de acontecimentos diários. Foram trechos de algumas dessas cartas que decidi recolher e expor nesse texto.


“Mantidas com cuidado pela esposa Maria da Pureza Natividade, a Purezinha, elas constituem um conjunto curioso, que expõe o lado romântico do escritor, mostrando uma faceta inesperada do seu caráter ferino e combativo. Ao longo destas páginas, entramos em contato com um homem que não tem medo de expressar a afeição pela mulher com quem compartilharia quarenta anos de vida em comum. O sentimentalismo próprio dos enamorados permeia as linhas derramadas pelo jovem noivo, que se ressente da solidão e da distância.”

Trecho da orelha do livro Cartas de amor.

“Minha branca Purezinha

Já que a pragmática não permite a dois noivos o conversar a sós numa sala, deve, por coerência, estender semelhante fiscalização às cartas, pois que são elas palestras escritas; [...]

Vim ontem no primeiro trem. Estava um friozinho de rachar – mas frio que era calor, em confronto com o que me punha “cá dentro” a separação nossa, a tua ausência. A cada quilômetro que o trem me afastava de ti, “cá dentro” enregelava um grau a mais, de modo que cheguei literalmente entanguido.

E entanguido estou ainda, pois que é a tua presença o sol único capaz de desentorpecer-me.

A modinha de Teca diz grande verdade: para ser feliz basta amar. E não é só, crê; o amor não é condição para a felicidade, e sim a própria felicidade; fora dele tudo é negro e horrível. Vale a pena viver porque existe amor na vida; não fora isso e seria o mais intolerável dos suplícios.

Juca (apelido carinhoso de família)”


“(Taubaté, 1906) Purezinha

Passei, na semana passada, uns dias horríveis, empolgado por um daqueles ataques de desespero que já te referi, mas descobri logo o remédio, curei-me. E sabes que remédio é esse? Tu. Basta pensar em você, na tua bondade, na tua meiguice, para que a “treva d’alma” se dissipe como a um jato de luz. Que força imensa e misteriosa é o amor! Lembrei-me que se o mundo é estúpido e a vida indigna de ser vivida, uma criatura existe que torna aquela tolerável e até deliciosa.

Abraça-te o teu, Juca.”


“(Taubaté, 1906) Pureza

A distância apaga o amor. Cento e cinquenta quilômetros não é brincadeira! Estando eu tão longe de ti, gostarás ainda de mim? Inda habito na casinha de tua memória? Que saudades, Purezinha, tenho!... Não do passado, mas do futuro. Já notou você que se pode ter saudades também do futuro? Tenho saudades da nossa vidinha de casados, metidos numa casa que seja um ninho onde nós ambos cultivaremos, rindo, a planta da felicidade... Haveremos de ter no quintal uma árvore grande, cheia de orquídeas, com uma mesinha embaixo e duas cadeiras de balanço.

Teu Juca do coração?”


“(Taubaté, Novembro de 1906)

[...] Purezinha, tenho tanto a te dizer que as palavras saem-me da pena atropeladamente, sem nexo e informes. Mas não posso me conter, sinto um nervosismo, um ímpeto de voar para aí, agarrar-te, abraçar-te, chorar sobre o teu colo como uma criancinha.

Que carro de boi é a palavra escrita! [...] Mas creia que nem a palavra falada dava vazão ao que sinto; só chorando, só gritando, só apertando-te nervosamente contra o peito, só devorando-te de beijos, poderia eu exprimir palidamente o que me vai cá dentro.

Juca”


“(Areias, 22 de Abril de 1907) Adorada Purezinha


Que momentos felizes estes em que te escrevo, e aqueles em que te leio! Quanto mais felizes se não me guardares pensamento oculto, se ao escrever-me tu o fizesses como quem escreve suas memórias íntimas. Que outra coisa há no mundo que a esta se compare? – duas almas, voltadas uma para outra, íntimas como dois irmãos gêmeos que nunca se separaram, a viver uma da outra, a viver uma para outra...

Teu Juca”


“15, (1907, Maio)

[...] Purezinha, havemos de recobrar o tempo que agora perdemos, afastados um do outro por imposição da cruel necessidade. Havemos de tirar uma desforra!

Adeus, minha Alegria, minha Saúde, meu Entusiasmo, meu Amor! Aceita um bilhão de beijos e abraços do teu extremoso

Juca”

Maria Pureza da Natividade e Monteiro Lobato casaram-se em 28 de Março de 1808 e permaneceram juntos por 40 anos até a morte do escritor. Tiveram quatro filhos: Marta, Rute, Edgard e Guilherme.




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