Segunda chance aos clichês

Por volta dos 15 anos o meu gosto por leitura em geral aumentou significativamente, mas sempre houve uma seção nas livrarias onde só havia duas opções: a) passar direto ou b) sortear algum exemplar para rir do conteúdo. Não tenho certeza de quando meu preconceito com livros de autoajuda começou. Contudo, eu sempre soube o motivo: clichês! Se há algo que me atrai na leitura - desde um folheto até um livro complexo - é a surpresa. Estar no meio de um livro e me deparar com algo totalmente inesperado, não que todos os outros livros além dessa categoria possuam esse primor, mas toda vez que olho para um livro de autoajuda soa um alarme no meu subconsciente: "Você pode encontrar versões desse exemplar em postagens de meninas de 13 anos no tumblr, ou em publicações bregas de "bom dia" no facebook." Coma bem; Pratique exercícios; Amor próprioo genteeee; Sorria! Sorria muito! Sorria sempre!O livro de como se dar bem na vida. Repeteco... repeteco... repeteco, me poupe. Se tudo isso desse certo as manhãs da minha casa sempre seriam comerciais de margarina. Estava mantendo fé no alarme mental - até um dia desses. Nesse "dia desses", estava conversando com uma amiga. Coisas várias e desimportantes. Do nada, me veio uma vontade muito grande de falar para ela o quanto eu gostava das nossas conversas, o quanto me fazia/faz bem, o quanto eu me sentia grata por ter uma amiga assim - e falei.
Fiquei muito feliz pelo efeito que isso causou em mim, e nela também. Mas o que me chamou a atenção foi isto: as duas já sabiam de cor sobre todos aqueles sentimentos que foram expressados, mas ter falado sobre os mesmos, sem a necessidade de uma ocasião especial, foi maravilhoso. Um daqueles carinhos que a gente faz na alma sem intenção, mas que fazem muito bem. Quando me dei conta disso não pude evitar o direcionamento do fluxo de pensamentos aos meus caros companheiros de livrarias. Será que aquele monte de clichês não oferecem um conforto também à alma dos meus amigos da "seção autoajuda"? Penso em alguém que pode estar a algum tempo sem poder dividir sentimentos alheios - sejam eles felizes ou tristes. Ausência de uma pessoa que interrompa a sua choradeira com um discurso motivacional. Que possa fazê-lo rir depois de um dia ruim. Ou que ria junto depois de um dia bom. Pode existir também aquele que está simplesmente precisando de ouvidos: nós falamos o tempo todo, de boca aberta ou fechada. Queremos alguém que nos ouça. A intenção de alguns livros (quase todos) é fazer com que o leitor se identifique. Que se crie um paralelo entre o texto e o leitor. Nos tornar leitores-personagens. Ao ler e verificar situações parecidas com a sua vida, o objeto de leitura torna-se um eco dos pensamentos da pessoa, e esse se sente compreendido pelo autor. Tudo isso pode ser muito mais complexo do que a minha mente consegue refletir a respeito. Todo ser humano carrega uma complexidade inexplicável dentro de si, e criar empatia pela correnteza cerebral de outros pode ser um fenômeno maravilhoso e maior do que se imagina. Não que necessariamente todo leitor de autoajuda esteja com deficiências de pessoas que conversem, motivem ou ouçam. E da mesma forma, nem todos os livros de autoajuda seguem a mesma linha. Mas pensar sobre essas situações específicas ao menos não me fazem rir de certos títulos nas prateleiras. O meu objeto de risada pode ser o afago da alma de alguém. (Isso vale para tanta coisa!)
Ilustração:"Floating" por Andrea De Santis