Um ano sem Rubem
Rubem Azevedo Alves, nascido em setembro de 1933, terminou suas andanças no dia 19 de julho do ano passado. Poeta, contador de estórias, psicanalista, pedagogo... esses são só alguns embrulhos desse homem que era um apaixonado pela vida.
"Do meu pai, eu acho, herdei o gosto pela palavra, o prazer em criar mundos pela escrita e pela fala. O mundo do meu pai se abre para fora, para uma comunhão fácil. Da minha mãe recebi as chaves que abrem as portas que levam ao mundo da música clássica. O mundo de minha mãe se abre para dentro, onde se encontram a alegria e uma comunhão difícil que beira à solidão."
Crônica "Que bom que eles se casaram"
Definiu a literatura e a poesia como alimentos para o corpo e alegria para a alma. Dividiu-se em palhaço e poeta, nos salvando pelo riso e pela beleza. Em razão da data, selecionamos 10 pedacinhos da obra do autor para relembrar um pouco a incrível herança literária deixada para o nosso deleite.
1
"Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música
não começaria com partituras, notas e pautas.
Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria
sobre os instrumentos que fazem a música.
Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria
que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas.
Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas
para a produção da beleza musical.
A experiência da beleza tem de vir antes."
2
"Todas as palavras tomadas literalmente são falsas. A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler as entrelinhas. A atenção flutua: toca as palavras sem ser por elas enfeitiçada. Cuidado com a sedução da clareza! Cuidado com o engano do óbvio!"
3
"Ao final de nossas longas andanças, chegamos finalmente ao lugar. E o vemos então pela primeira vez. Para isso caminhamos a vida inteira: para chegar ao lugar de onde partimos. E, quando chegamos, é surpresa. É como se nunca o tivéssemos visto. Agora, ao final de nossas andanças, nossos olhos são outros, olhos de velhice, de saudade."
4
"Compreendi, então,
que a vida não é uma sonata que,
para realizar a sua beleza,
tem de ser tocada até o fim.
Dei-me conta, ao contrário,
de que a vida é um álbum de mini-sonatas.
Cada momento de beleza vivido e amado,
por efêmero que seja,
é uma experiência completa
que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e amor
justifica a vida inteira."
5
"Minha vida se divide em três fases.
Na primeira, meu mundo era do tamanho do universo
E era habitado por deuses, verdadeiros e absolutos.
Na segunda fase meu mundo encolheu,
ficou mais modesto e passou a ser habitado
por heróis revolucionários que portavam armas
e cantavam canções de transformar o mundo.
Na terceira fase, mortos os deuses,
mortos os heróis, mortas as verdades e os absolutos,
meu mundo se encolheu ainda mais
e chegou não à sua verdade final
mas a sua beleza final:
ficou belo e efêmero como uma jabuticabeira florida."
6
"Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata.
Quem tenta ajudar um broto a sair da semente o destrói.
Há certas coisas que não podem ser ajudadas.
Tem que acontecer de dentro para fora."
7
"Amar é ter um pássaro pousado no dedo.
Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que,
a qualquer momento, ele pode voar."
8
"Eu quero desaprender para aprender de novo.
Raspar as tintas com que me pintaram.
Desencaixotar emoções, recuperar sentidos."
9
"É mais fácil amar o retrato. Eu já disse que o que se ama é a ‘cena’. ‘Cena’ é um quadro belo e comovente que existe na alma antes de qualquer experiência amorosa. A busca amorosa é a busca da pessoa que, se achada, irá completar a cena. Antes de te conhecer eu já te amava.... E então, inesperadamente, nos encontramos com rosto que já conhecíamos antes de o conhecer. E somos então possuídos pela certeza absoluta de haver encontrado o que procurávamos. A cena está completa. Estamos apaixonados.”
10
"Mais fundamental que o amor é a liberdade
A liberdade é o alimento do Amor
O amor é passaro que não vive em gaiola
Basta engaiolá-lo para que ele morra
Ter ciúme é reconhecer a liberdade do amor
O desejo de liberdade é mais forte que a Paixão
Pássaro, eu não amaria quem me cortasse as Asas
Barco, eu não amaria quem me amarrasse no Cais"